
Lendas sobre a pororoca permeiam o festival de São Domingos do Capim
Índios, botos e personagens imaginários, como os “três pretinhos”, são algumas das figuras utilizadas pelos moradores de São Domingos do Capim, no nordeste do Estado, para explicar o fenômeno da pororoca. A cidade, fica distante a 130 km de Belém, realiza todos os anos o Festival da Pororoca, que atrai milhares de visitantes que querem ver de perto a onda, que para muitos nativos, é fruto de um amor mitológico que é contado de geração em geração na cidade.
Um dos moradores mais antigos de São Domingos do Capim, Pedro Corrêa Sodré, de 81 anos, conta a lenda que mais se reproduz na cidade, desde quando ele era pequeno. “Há muitos anos, antes mesmo do descobrimento do Brasil, onde hoje é São Domingos do Capim, existia uma tribo indígena. Nessa tribo havia um bravo cacique, o Pirajuara, que quer dizer onça-pintada. Ele adorava o rio e teve uma filha, que teve sua influência e também era apaixonada pelas águas. Numa noite de lua cheia, quando a indiazinha apreciava o luar no rio, de repente, um homem vestido de branco surge de dentro d’água e a seduz. Era o boto”, relata o senhor, que passa os dias na porta de casa, olhando para o Rio Capim.
“A índia e o homem de branco se apaixonaram”, continua Pedro, “e então começaram a namorar. Até que a índia ficou grávida, e para a sua surpresa, ao invés de parir crianças, pariu três botinhos (os “três pretinhos”). Muito triste por não ter como criar os filhos botos, a índia os entregou para o rio, onde cresceram e se criaram. Alguns anos depois, quando eles já estavam grande, resolveram voltar para visitar a mãe. Com tamanha alegria, eles nadavam, levando tudo o que estava pela frente com a força que exerciam na água, formando ondas gigantes. Desde então, sempre os botos, filhos da índia, visitam este local, onde estava a tribo, nos trazendo o fenômeno da pororoca”, conclui, com tom de mistério, o já aposentando Pedro.
Mas se engana quem pensa que esta é a única lenda sobre a pororoca. Tem a que diz que a pororoca surgiu a partir do sonho de um pescador. Esse homem estaria sonhando com os “três pretinhos”, personagens mitológicos criados pela lenda do cacique Pirajuara. Eles estavam dançando, alegres, no rio e, para a surpresa do pescador, conta a lenda, quando ele acordou se deparou com uma enorme onda na sua frente, que teria emborcado a sua embarcação. Outra lenda afirma que a pororoca vem da força dos diversos botos que habitam o Rio Capim, fazendo referência, mais uma vez, a lenda do cacique.
Imaginário à parte, Pedro Corrêa diz que tem respeito pelas lendas e dá uma verdadeira aula, com base científica, sobre o fenômeno da pororoca. Segundo ele, essas ondas ocorrem por causa da forte influência que o sol e a lua exercem, ao mesmo tempo, sobre os oceanos neste período do ano, fazendo com que as correntes marítimas provoquem a pororoca. “Na Amazônia esse fenômeno é ainda mais forte por causa das ilhas e também pelo volume de água dos rios”, ressalta o aposentado, que mostra, assim como a maioria dos moradores, muito conhecimento sobre tábua das marés e influências marítimas sobre os rios. “A gente, ribeirinho, precisa conhecer tudo isso desde pequeno. O nosso meio de transporte é o barco. Se a gente não souber, a pororoca leva tudo”, alerta.
Uma preocupação de todos os moradores, em especial do seu Pedro Corrêa, que acompanha desde pequeno a pororoca, é a erosão dos rios. “A erosão desses rios está provocando a diminuição da pororoca. Quanto maior o desgaste das margens, menor a força da pororoca”, diz Pedro, que comenta já ter visto, quando criança, ondas de até seis metros de altura no Rio Capim.